Face lateral do imponente edifício do Grande Hotel da Rocha

Inaugurou-se, a 1-5-1932, o Grande Hotel da Praia da Rocha, cujas obras de remodelação das antigas instalações do Casino lhe permitiram, na altura, ser considerado um dos melhores equipamentos turísticos do país, não só pela beleza do seu traço arquitectónico, como também pelas suas condições de higiene e pelos serviços modelarmente organizados para servir as mais singulares exigências dos seus clientes. Algumas dos requisitos mais solicitados pela burguesia turística desse tempo, parecem-nos hoje elementares, como por exemplo o telefone no quarto, casa de banho no andar de alojamento, serviço privativo dos quartos (almoço e jantar), colchão de molas, produtos de higiene, mudança diária de lençóis, pessoal especializado para a limpeza, desinfestação e aromatização do quarto, ascensor amplo e rápido, mobiliário de estilo antigo e de luxo, enfim particularidades que serviam para garantir a qualidade e o requinte do alojamento.

A sua construção veio preencher uma lacuna há muito sentida na cidade de Portimão, cujas potencialidades turísticas se demonstravam na crescente procura de alojamento. Vinham turistas de todo o país, especialmente de Lisboa e do Alentejo, atraídos pela beleza natural da Praia da Rocha, pela amenidade do clima e tolerância de costumes, sobretudo de carácter religioso, racial e sexual. A imprensa da época fala na frequência e convívio entre pessoas de raças diferentes; nomeadamente no escândalo causado por certa “odalisca negra” que ensandecia a cabeça dos adónis locais, pela ousadia de descer à praia num maillot de proporções pouco recomendáveis para as suas esposas. Falava-se também de cavalheiros passeando de mãos dadas e com indumentárias invulgares, das turistas escanzeladas e de tez marmórea, embracé aux gentis hommes, passeando um cãozinho pela trela… O próprio escritor Manuel Teixeira Gomes descreve no Agosto Azul os seus passeios e banhos naturalistas, o seu inocente voyeurismo ao observar as mulheres do campo banhando-se pelo raiar da madrugada nas paradisíacas praias da Rocha e do Alvor. Também o pitoresco banho dos marinheiros da Armada Inglesa na baía de Lagos, e outros exemplos de velado erotismo, demonstram o avanço social e psicológico dos algarvios, a sua compreensão e tolerância para aceitar a diferença, quer fosse de credo, de raça ou de comportamento.

 

O Casino da Praia da Rocha

O equipamento âncora do turismo algarvio era o Casino da Praia da Rocha, o primeiro que existiu no Algarve, em cujo particular domínio, do lazer e entretenimento, viria a rivalizar com o velho Casino Peninsular de Monte Gordo, profundamente remodelado em 1934, cuja proximidade com Espanha justificou o estatuto de centro permanente do jogo no Algarve. É claro que para isso contribuiu também a influência política de Sebastião Ramires, amigo pessoal de Salazar, ministro nos primórdios do Estado Novo, entre 1932 e 1936, lídimo representante dos industriais conserveiros algarvios.

Impõe-se esclarecer que os casinos andavam à deriva dos interesses instalados e das influências políticas. Nas praias e termas deste país havia sempre um barracão de madeira ou um palacete démodé adaptado a casino. Até a praia da Manta Rota teve o seu. Todavia, ficaram célebres os casinos da Póvoa do Varzim, de Espinho, Figueira da Foz, Nazaré, Estoril, Cascais e Funchal. Nas estâncias termais notabilizaram-se os casinos das Caldas de Vizela, Pedras Salgadas, Curia e Luso.[1]

Mas, em 3-12-1927, o governo da ditadura regulamentou o jogo através de legislação própria. Passaram a existir casinos de jogo permanente e de jogo eventual, abrindo estes apenas na época estival, em locais de grande afluência turística. Eram as chamadas “zonas de jogo temporário”, para o lazer e distracção turística, nas quais se incluía o casino da Praia da Rocha, em cuja reabertura apresentava uma nova roleta mecânica e modernas mesas de jogo. Surgiu remodelado e decorado com requintado bom gosto, mobiliário de luxo para apoio aos espectáculos diários de música e zarzuela espanhola, a cujos bailes nas matinés de sábado, afluía a burguesia de toda a província. O Casino da Rocha era um equipamento de incontornável atracção, progressivamente demonstrado na afluência anual de turistas, nacionais e estrangeiros.

 

Tempos difíceis – os anos da guerra

As novas gerações, ciosas do seu futuro, desejavam esquecer os traumas e as feridas, tão difíceis de cicatrizar, infligidas pela I Grande Guerra. Todavia, a década de trinta, que todos desejavam auspiciosa, iniciou-se com o crash bolsista de Wall Street, em Nova York, ocorrido a 24-10-1929. Uma terrível crise económica ameaçou arrasar a civilização ocidental. Em 1931 instalou-se em Portugal, e Salazar tomou as rédeas do poder. Por toda a Europa despontaram ditaduras inspiradas num nacionalismo militarista. Com o deflagrar da guerra-civil de Espanha tudo piorou. Faliram bancos, fecharam empresas, casinos e hotéis, o desemprego e a inflação dos preços nos bens de primeira necessidade geraram o caos e a revolta popular. A ditadura a tudo acudiu com mão de ferro. O turismo baixou drasticamente, e os horizontes do futuro cobrindo-se de nuvens negras. Os anos seguintes foram um verdadeiro tormento, com a humanidade a perder o rumo da decência, e a desbaratar as referências herdadas do passado. Os valores da honra e da dignidade deixaram de fazer sentido. A II Guerra Mundial sujeitou a Europa à terrífica ameaça da rasoira nazi, emblematicamente representada na suástica alemã, jorrando o sangue inocente dos vencidos.

 

Um empresário de visão no futuro

A construção do Grande Hotel da Praia da Rocha era o claro indício da necessidade de abrir uma nova era de esperança e de reconstrução de um mundo novo, que acabara de ser assaltado pela maior crise da história económica ocidental. Apesar dos negros semblantes que se perfilavam nos horizontes do futuro, o empresário Saldanha Lima teve a ousadia de promover a construção de um Grande Hotel na turística Praia da Rocha, concitando à sua volta avultados meios financeiros de diversos investidores, que acreditaram nas suas propostas de desenvolvimento do Algarve. Por isso foi, na época, considerado um homem de visões largas e um benemérito do progresso algarvio. Para explorar aquela magnífica unidade hoteleira foi constituída a «Empresa Hoteleira Praia da Rocha Ld.ª», de que era gerente Saldanha Lima, a qual deu trabalho a muitos portimonense e algarvios em geral. Encarregou-se da gerência técnica daquela empresa hoteleira outro algarvio, José Jacinto dos Santos, ao tempo um dos raros portugueses habilitados com um curso de hotelaria concluído numa escola estrangeira.

A festa de inauguração do Hotel, celebrada no 1º de Maio. Dia do Trabalhador, uma data não muito do agrado da ditadura, decorreu com toda a pompa e circunstância, na presença das principais autoridades civis, políticas e religiosas. Abriu as portas ao público com 80 quartos, distribuídos pelos três andares do edifício, com a particularidade de apresentar várias casas de banho, distribuídas pelos diferentes pisos. Outra das inovações era a sua espaçosa sala de jantar, ricamente decorada com baixos relevos de estuque ao gosto dos salões palacianos, entrecortados por grandes espelhos de fabrico nacional, emoldurados em talha dourada. Num espaço contíguo, mas isolado dos olhares curiosos, encontrava-se uma ampla e moderna cozinha, equipada com os melhores fogões e trens de cobre, serviços de finas porcelanas e baixelas de prata. Os aposentos dos hóspedes realçavam-se pela modernidade e conforto do mobiliário de talhe nacional, mas também pela qualidade do seu equipamento têxtil, dando primazia à higiene e salubridade dos quartos. Um aspecto, porém, merecia o particular destaque dos seus hóspedes – a sua bem distribuída e sofisticada iluminação. A luz eléctrica, nessa altura, não era novidade nos lares até mais humildes, mas a riqueza dos candelabros de cristal, que iluminavam as salas e corredores do hotel, causava grande sensação. Para além do seu requinte interior, o hotel possuía ainda dois magníficos e muito extensos terraços, o maior dos quais debruçado sobre a praia. Nos dias de verão serviam como esplanadas, e em certas noites adaptavam-nos para serões dançantes e ceias festivas. Muitos namoros ali se iniciaram, alguns pedidos de casamentos se afirmaram, e muitos foram os casais que ali vinham reanimar a chama da felicidade conjugal.

 

Os tempos áureos do Hotel-Casino da Rocha

O Hotel da Praia da Rocha além de ter sido um dos melhores do país foi também um dos mais frequentados, pois que o seu gerente, José Jacinto dos Santos sabia cativar os clientes com a sua amabilidade, a sua prestimosa e diligente solicitude, a sua esfuziante alegria e elegância de trato. Outro dos trunfos da empresa era o sócio Adelino Rocha, cuja simpatia envolvia de carinho e reverência todos os clientes do Hotel, que nos anos iniciais pertenciam à melhor estirpe social, sendo em parte gente da finança e dos negócios, que se deixara cativar pelo exotismo rochoso daquela praia algarvia.

Não esqueçamos que o Grande Hotel servia de apoio ao Casino da Praia da Rocha, cuja inauguração das obras de remodelação se efectuaram na mesma data. O preço da diária no Hotel partia duma base de 20$00 a que acresciam os custos do serviço de mesas. Não estava ao alcance de todos. Lembre-se que um operário fabril tinha uma remuneração diária muito inferior, e que um simples professor, apesar do seu prestígio social, ganhava um salário tão magro que não lhe permitia suportar um fim de semana no hotel.

Nos finais de Junho de 1934, a Sociedade da Praia da Rocha adjudicou à Empresa do Casino Internacional da Foz do Douro – que já explorava o jogo na zona da Póvoa de Varzim – os direitos de exploração do jogo no Casino da Praia da Rocha. Nessa altura, aquela prestigiada empresa do norte do país, mandou remodelar as instalações do velho edifício do casino da Praia da Rocha, para assim se adaptar aos tempos modernos e oferecer melhores condições de conforto aos seus clientes.

Para terminar, importa referir que o Grande Hotel foi construído no local onde outrora se encontrava o modesto Hotel Viola, verdadeiro precursor do turismo balnear na Praia da Rocha. Ao seu lado direito figurava, nos anos quarenta, o não menos imponente Hotel da Bela Vista, que rivalizava, ainda que não em qualidade, com o Grande Hotel.

Imagem mais recente da Praia da Rocha, vendo-se ao fundo o Hotel Bela Vista e, mais próximo, o Chalé Bivar

A título de curiosidade, acrescente-se ainda que no início da República, por volta de 1912, o Hotel Viola, e sobretudo o próprio Casino da Praia da Rocha, entusiasmavam os seus clientes com esplendorosos bailes, muito chiques e na mais requintada exuberância da moda, com alegres polcas, mazurcas e sobretudo valsas a dois e três tempos, dançadas com rigor, habilidade e romantismo. Nesses bailes todos os presentes contribuíam para a eleição dos melhores dançarinos, que recebiam como prémio artísticos troféus de prata, sendo depois incensados em ditirâmbicos versos ou gazetilhas jocosas, publicadas na imprensa local pelo conhecido jornalista e escritor local, Jerónimo Buísel, de cuja recitação se encarregava a sua filha, Maria Isabel, nas noites dançante do velho casino.

Foram assim os velhos tempos do Casino da Praia da Rocha, quando a burguesia de Lisboa e alguns proprietários agrícolas do Alentejo, desciam até ao Algarve, para combinarem negócios e estreitarem relações familiares, enquanto se distraíam no casino, dançavam no hotel e, se possível, namoravam na praia.

Imagem panorâmica nos anos quarenta, quando o areal era curto e as rochas faziam jus ao nome da praia

[1] Convém dizer que no 1º quartel do séc. XX, a República legalizou imensos casinos, em pequenas vilas e cidades, sem grande justificação para prosperarem. São disso exemplo os casinos de Mesão Frio, Alijó e Santa Marta de Penaguião (no Douro), Vila Pouca de Aguiar (Trás os Montes), Tomar, Golegã, Santar (distrito de Viseu), Almeirim, Cartaxo, Torres Novas (distrito de Santarém), Elvas (Alentejo), Angra do Heroísmo e Horta (Açores).

José Carlos Vilhena Mesquita
Professor da Faculdade de Economia
da Universidade do Algarve

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