O futuro das concessões de jogos de fortuna ou azar
(parte 1)

Jorge Godinho
Doutor e Mestre em Direito
Professor Visitante de Direito do Jogo da Universidade de Macau
jorge.godinho@outlook.com

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1. Premissas

O enquadramento jurídico dos jogos de fortuna ou azar de base territorial poderá vir a ser redefinido nos próximos anos. O final do prazo das actuais concessões aproxima-se rapidamente. Parece assim oportuno reflectir, de modo preliminar e aproximativo, sobre o que poderá ser o futuro da exploração dos jogos de fortuna ou azar e sobre quais as perspectivas que se podem vir a abrir na próxima década.

Uma análise desta índole é assaz complexa e convoca quer dados jurídicos quer dados políticos, económicos e sociais. Cabe aqui sobretudo desenvolver os aspectos jurídicos, sem prejuízo de algumas referências ao contexto mais amplo em que a questão se move.

As bases jurídicas fundamentais da indústria do jogo são interdisciplinares. A exploração do jogo assenta, por um lado, numa distinção privatista de vários tipos de contratos de jogo e, por outro lado, em dados de direito público que corporizam as políticas públicas seguidas para o sector em geral e para cada um dos seus subsectores em particular.

A distinção conceptual de base é a tripartição entre jogos, apostas e lotarias, que dá lugar a vários segmentos da indústria [1] . É de assinalar, em especial, a bipartição dos jogos (em sentido estrito, por oposição a apostas e lotarias) em jogos de perícia versus jogos de fortuna ou azar. Quanto a dados de direito público, cabe reter três aspectos estruturantes.

Em primeiro lugar, o sector do jogo é uma competência e reserva do Estado. A exploração do jogo com fins lucrativos é proibida, salvo se autorizada.

Em segundo lugar, o Estado autoriza diversas entidades privadas a explorar os jogos de fortuna ou azar. A ferramenta jurídica fundamental para o efeito é a concessão administrativa.

Em terceiro lugar ― e é um aspecto estrutural que cabe salientar para efeito da presente exposição ―, as concessões de jogo são e sempre foram temporárias, ou seja, o Estado não concede e nunca concedeu autorizações de exploração por tempo ilimitado.

Da conjugação destes factores resulta a periódica autorização de concessões, temporárias, de exploração de jogos de fortuna ou azar, a entidades privadas. As concessões são regidas por um conjunto disperso de legislação extravagante, de direito administrativo especial. As concessionárias são sujeitas a pesada tributação e regulação, bem como a supervisão.

A natureza temporária das autorizações concedidas pelo Governo para a exploração de jogos de fortuna ou azar significa que o Governo se vê na necessidade de tomar decisões com alguma regularidade, desta forma procedendo à abertura de novas «eras» ou períodos distintos de exploração.

O modo normal de extinção de uma concessão é o decurso do prazo por que foi atribuída. Tudo volta então à estaca zero, em vista de um novo ciclo, salvo de ocorrer uma prorrogação do prazo. Os momentos de transição de ciclo que são os concursos públicos são obviamente de fundamental importância. Podem mesmo ser agitados por litígios, reclamações ou outras reacções por parte de concorrentes que, com ou sem razão, não concordem ou aceitem os resultados do processo.

Em geral, todos os intervenientes vivem estes períodos com particular ansiedade e preocupação ― do Governo aos mercados financeiros, passando evidentemente pelas sociedades concorrentes, sem esquecer a efervescência económica, social e jornalística em redor dos eventos que possa surgir. Mas este é, de facto, o modo normal de funcionamento do sistema ― por muito nervosismo que gere.

Estes ciclos são, assim, perfeitamente normais. Para o Estado, esta dinâmica permite e mesmo obriga a repensar, com regularidade, a direcção da indústria do jogo. Aproxima-se um desses momentos. Ao considerar o que poderá vir a acontecer, não temos uma bola de cristal: o problema é complexo e tem muitas variáveis, de diversa índole. De qualquer forma, é possível identificar e considerar vários aspectos jurídicos que podem desempenhar um papel na definição das decisões fundamentais que terão de ser tomadas nos próximos anos.


[1] Sobre esta tripartição, cfr. Jorge Godinho, Direito do jogo, vol. I, CRED-DM e Fundação Rui Cunha, Macau, 2016, 166 ss.

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