Texto de Filomena Pica

Trabalho há mais de vinte anos num casino. Trabalho de noite e sou secretária. Muitas vezes me perguntam o que faço a essas horas num escritório. -“Exatamente o mesmo que as pessoas fazem durante o dia.”, respondo ao que a mim parece simples, mas aos outros muito difícil de compreender. Limito-me a explicações pouco profundas porque só entende quem o faz. Trabalhar é trabalhar e cada vez mais se pode fazer tudo em qualquer horário (os emails, por exemplo, vieram acelerar mais ainda o que só podia ser feito amanhã). Saio de noite depois do segundo banho, chego tarde para dormir. Saio, e em vez de comer uma sandes e um galão, janto e começo o dia. Invertido, mas é aí que começa. Durmo de manhã, a prestações, porque há barulhos inevitáveis e luz que espreita pelos estores mesmo que bem fechados. Habituei-me assim. Tomo um “brunch” que é sempre uma palavra mais chique e é a refeição que mais gosto.  Tenho o mesmo tempo que as outras pessoas só que ao contrário. Aqui faço o meu período de lazer como se isso fosse possível. Faço coisas a mais e não tenho tempo para nada. De tão diferente a minha vida é igual à de quem trabalha durante o dia. Se é pior? É. Mas tudo o que tem de melhor supera o pior que possa ser. Mania minha de ver o lado bom das coisas… Estive muito mais presente em certas situações familiares e menos nas situações que são convencionadas para estar. Natais e passagens de ano, festas e encontros sociais ficaram muitas vezes para outro dia, mas não há dia certo para se ser feliz. Há momentos e esses não têm data marcada. Para já, ainda não me imagino a começar o dia às 9h00. Para já não me imagino a um serão em família de comando na mão a lutar por um canal de televisão apetecível. A minha filha sobreviveu a isto e é uma menina equilibrada sem falta de pais “como deve ser”. A minha vida não é normal e eu gosto disso.

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