Filomena Pica

Os Filhos da Noite

O pai sai todos os dias para um sitio onde eu não posso entrar. Sei que lá, nesse sitio, as pessoas jogam, por isso não percebo porque não posso ir, quando, na verdade, os jogos são para crianças…

O pai explicou-me que são jogos de gente crescida. Pior! Gente crescida não joga e se joga, joga com gente pequena.

O pai é diferente dos outros pais. O pai não sai de manhã, maldisposto, meio ensonado a correr para me levar à escola. O pai sai depois do jantar. E eu… Eu sim, meio ensonada despeço-me dele a pensar que ele vai jogar e não me leva.

Sonho com ele e com os jogos dele apesar de não saber como são.

A mãe também vai. Nem sempre de noite, mas quase sempre…Já me disse: Quando disseres que a mãe trabalha de noite, por favor explica onde é!” Não percebi, mas sei que a mãe trabalha num escritório como as outras mães, só que é de noite. Tem clips e canetas e escreve emails para longe. O Chefe dela é chinês.

Para me compensarem estão o dia todo comigo, vão-me buscar à escola e vemos o pôr-do-sol quase sempre.

Sei que o pai não joga, só vê os outros jogar e trata dos assuntos dessas pessoas. Chama-se casino e para além de jogarem, as pessoas vão lá para se divertir, assistirem a espetáculos e jantar ou beber uma bebida. Já lá fui, durante o dia, quando está fechado ao público. Achei normal e giro, não percebo porque não posso entrar!

Não estamos juntos quando as outras famílias estão, porque, muitas vezes os meus pais trabalham ao fim de semana e nem sempre jantamos ao mesmo tempo, ou assistimos televisão na sala durante o serão, mas isso não é importante, sei que vamos fazer coisas noutras alturas e já me habituei a ser filha de pais diferentes, mas melhores. Claro, são os meus! Quanto a mim, não se preocupem que fiquei sempre bem e, agora, já crescida, adoro estar sozinha em casa (imaginem o sossego – não imaginam porque não conhecem a minha mãe), e não, não fiquei traumatizada por não ter uma vida dita “normal” e aquelas coisas do “estamos sempre juntos à mesa” é desculpa para quem não sabe estar!

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