António Jorge Lé, Director Artístico do Casino Figueira
Outro interveniente na Conferência do Estoril, António Jorge Lé, espalhou um percurso no tempo, neste caso dos espetáculos, com uma descrição que respigamos aqui alguma dessa narrativa.
“À noite as classes mais favorecidas e com requintes de cultura adoravam ir ao teatro ou à ópera. Este género de espetáculo, que surgiu em Florença no Carnaval de 1598, chega muito mais tarde a Portugal. Impõe-se este regresso no tempo para percebermos melhor o percurso do espetáculo, até porque D. João V iniciou um processo deliberadamente orientado para a renovação da vida musical portuguesa quando em 1717 criou a Escola de Música do Seminário Patriarcal.
Dois alunos fazem diferença:
Francisco António de Almeida, bolseiro, que opta pela ópera palaciana, com libreto italiano, e estreia dois anos mais tarde no Paço da Ribeira e António Teixeira, que foi também bolseiro em Roma, mas que chega a Lisboa e inova a linha do teatro cantado, escrevendo óperas populares em língua portuguesa, então levadas à cena no Teatro do Bairro Alto… e o que é facto é que hoje a linha mais popular ainda não desapareceu. Com as devidas evoluções surgem-nos sob a forma de revista, também designado por teatro ligeiro, no Teatro Maria Vitória no centenário Politeama, às Portas de Santo Antão, enquanto a linha mais erudita continua a pisar o palco do Teatro de São Carlos. Assim se abrem duas correntes.
E com o tempo… em meados do século XIX, Paris faz surgir um novo tipo de estabelecimento de diversão nocturno: o cabaret. Elegante, urbano e propício à sociabilidade artística e que marcava lugar de destaque. O “Chat Noir” situava-se em Boulevard, n.º 84. Este espaço foi inaugurado em 18 de Novembro de 1881.
Harold Zider, patrão do Moulin Rouge, e muitos outros homens de negócios começaram a interessar-se por explorar a vida artística, transformando-se em agentes a dez por cento de comissão. O efeito das “crónicas” de Henri de Toulouse-Lautrec chega a Portugal. Depois, a novidade e a frescura no início do século XX vieram dar outro colorido e ritmo aos palcos. Os cabarets abriam-se à modernidade que vinha de fora. Ao longo da década de 1920 vai gradualmente generalizando-se a utilização de clube, aportuguesamento do termo inglês club.
A imagem da mulher continua provocante no vestir, com cabelo cortado à “garçonne”, que fuma, bebe (champanhe, gin e pippermint, digamos que as bebidas da época, onde não se excluía o absinto). Na gastronomia saboreavam-se lagostas, foie gras e bife com ovo a cavalo nos cardápios da noite.
Foram nos palácios da velha aristocracia portuguesa, com a sua elegância e riqueza arquitectónicas que acolheram os clubes. O Magestic Club alojou-se onde é a Casa do Alentejo. Havia também os “privés”, dentro dos clubes, para servir jantares. O Bristol, inaugurado em 11 de Março de 1918, de autoria do arquitecto Raúl Martins, era outra casa nocturna. Ainda na mesma rua, onde actualmente se situa a Câmara de Comércio e Indústria, encontrava-se o Palace Club. O Maxim’s, nos Restauradores, era o mais rico e situava-se onde hoje está o Palácio Foz.
A noite passava também pelo Parque Mayer, implantado no espaço que fora o dos jardins e adjacentes do Palácio Mayer, construído em 1901, chegou mais tarde às mãos de Luís Galhardo, ligado ao meio teatral, que sonhava criar um espaço dedicado ao divertimento.
Em 1922 foi criado um Teatro com o nome da actriz e fadista Maria Vitória, abriu cerca de uma década depois o Teatro Variedades. Por último, já em 1956, o empresário José Miguel criava o novo Teatro ABC.
Em 1927 ( ano da legalização do jogo) surge nos écrans o primeiro filme sonoro – The Jazz Singer. O disco e a grafonola acabariam por popularizar a canção.
Cascais e Espinho eram as praias muito frequentadas. Passaram a usar-se fatos de banho de duas peças e toucas.
O saxofone e vários ritmos e sons transportavam outros modelos de música e impunham à modernidade o crescimento daquela que se viria a titular-se, mais tarde, a indústria do espetáculo.
A gente influente que povoava a zona do Estoril gera movimento, grandiosidade pouco comum, atrai espiões, gera-se desusada agitação, nomes grandes vêm a Portugal, como a estrela da dança e da canção Josefine Baker.
Os ballets popularizaram-se com o célebre cancan, trecho de uma opereta apresentada em 1864. Esta ópera-bufa desmonta, com humor excepcional, a imagem idealizada dos romances e critica a sociedade ao nível da imperfeição e irresponsabilidade.
As dançarinas apresentam-se com longas saias, saiotes e meias pretas. Os principais desenhos da dança são o levantamento e a manipulação das saias, com chute alto e sugestivo, com pensados movimentos provocativos. Os desenhos coreográficos usam poses sensuais. As bailarinas culminam este tema com o típico salto para o chão, em espargata frontal.
“No ano de 1917 a plateia do pequeno National Winter Garden esperava mais uma apresentação artística recheada de piadas, dançarinas sensuais e a apresentação de monólogos. Em dado momento, a plateia de maioria masculina deparou-se com a apresentação da comediante Mae Dix. A atriz, preocupada com os custos de manutenção de seu figurino, despretensiosamente, tirou a gola do seu vestido. O gesto feito no palco acabou deixando os homens do local em alvoroço. Percebendo a calorosa reação da plateia, Mae retirou os punhos de sua roupa e começou a abrir os botões de seu vestido. Aquele simples gesto acabou resultando na invenção de uma das mais populares e polémicas performances do entretenimento: o strip-tease. Os donos do estabelecimento, os irmãos Minsky, aproveitaram do momento para estabelecer uma apresentação regular onde Mae, a partir disso, viria a despir-se”.
Em Lisboa, a partir da década de 1960 pontificavam várias casas nocturnas, algumas de elevado nível, como o Club Maxime, o Nina (casa nocturna situada na Rua Paiva de Andrade), inspirado em nome russo, mas muito seleto: “era obrigatório o uso de gravata”. Atuava lá o italiano Sandro Core, que depois foi contratado para o Casino da Póvoa por Nuno Salvação Barreto.
O ‘Fontória’ (Praça da Alegria), outra casa da noite lisboeta par salientar e no Porto as casas mais conhecidas ao nível são Night Club Tamariz e a Taverna do Infante.
A animação nunca é obrigação ou responsabilidade, é prazer, espontaneidade e divertimento.
Os casinos cultivaram, durante largos anos, praticamente até ao final do século XX, um formato muito específico que apoiava a residência de uma ou mais orquestras. Os casinos possuem legalmente a liberdade de contratar directamente o artista, mas concluíram que, havendo em Portugal quem se ocupasse dessa permanente busca, o trabalho estaria facilitado e a oferta chegaria mais diversificada e pronta a escolher e “fechar” (como se diz na gíria). A percentagem pecuniária pelo trabalho realizado pelo agente, fixada então em 10 por cento, ficava sempre por conta dos artistas contratados e não da parte da entidade (casino) contratante, um hábito que começou na década de 50 do século XX. Durante largos anos, até perto do início do século XXI, todos os casinos portugueses serviram-se de fornecedores fixos, como por exemplo das agências artísticas lisboetas de Artur Pereira e de Manuel Oliveira (anos 60 do século XX), este com um leque de opções que se estendia à programação de cabarets e boîtes. Mais tarde, a empresa Interartes, liderada por Carlos Pires e pelo seu sócio, o catalão José Maria Fialho, articulavam com os casinos a sua programação. Ballets, cantores, atrações visuais e orquestras faziam parte do cardápio.
Arquivo Casino
Este percurso foi ainda atravessado pelo playback instrumental e a maior oferta no mercado dos músicos e cantores, sobretudo no final da década de 80 e início dos anos 90 do século XX.
Nos bailes dançava-se consoante o tempo e a moda – charleston, o tango, fox-trot (inventado por MacLennan). No início dos anos 50 do século passado, o cha-cha-cha era considerado o máximo. O rock’n´roll nasceu em 1955. O swing ganha estatuto e reconhecimento.
O fado quedava-se mais nas tabernas e retiros e foi a fadista Amália Rodrigues quem ousou colocar letras de maior relevo literário, recorrendo à poesia de Luiz de Camões ou de David Mourão-Ferreira, e assim trazer mais fado aos casinos.
Ainda nos anos 1960 Portugal começou por experimentar projectos novos, como Chinchilas, Sheiks e Quarteto 1111.
Havia nomes posicionados que faziam o circuito dos casinos com peculiar regularidade, como Maria de Lourdes Resende, Maria Amélia Canossa, Anita Guerreiro, Maria José Valério, Tony de Matos, entre outros; para serem continuados por Florência, Natércia Maria, Madalena Iglésias, Simone de Oliveira, Vitória Maria, Maria Benta, para citar alguns nomes. Depois, Pedro Malagueta (que actuava aqui, no Estoril, com Nicole Railton), entre outros.
Mais tarde, nos anos 1990, nomes como Dora, Rita Guerra, Vera de Vilhena, Pedro Malagueta, Tó Leal, entre outros cantores que começaram a refrescar a oferta dos programadores dos casinos.
A Galeria de Arte do Casino Estoril, por exemplo, a segunda mais antiga galeria portuguesa, serviu para falar de Lima de Carvalho e da cultura nos vários casinos.
Desde 2006 que o Casino da Póvoa tem vindo a distinguir alguns dos melhores artistas plásticos, contribuindo assim para a promoção e divulgação da arte e dos artistas portugueses. As ‘Correntes d’ Escritas’ é outra iniciativa que entra na programação cultural deste casino”.
Não deixou de falar de Vítor Espadinha, Júlio César e as suas equipas que transformaram os grandes espectáculos do Estoril num produto a ser copiado, em pequenas produções, por outros casinos nacionais.