Boa tarde a todos.

Quero começar por saudar os autores da obra, cumprimentar os ilustres membros da mesa, assim como todos os presentes na sala, alguns velhos conhecidos. E, naturalmente, cumprimentar também o anfitrião, Dr. Domingos Silva.

Não posso deixar de agradecer o honroso convite que me foi dirigido pela dupla de autores, Dr. José Pereira de Deus e Dr. António Jorge Lé, para participar nesta apresentação da obra “Fortuna ou Azar – Dupla improvável”, que tem lugar nesta magnífica sala do Casino da Figueira da Foz, uma “instituição” com 132 anos!

Devo confessar que este convite teve o condão de me deixar surpreendido – e um pouco preocupado até –, na medida em que já me encontro afastado das operações dos casinos há quase 4 anos e, por consequência, deixei de acompanhar a atividade quotidiana do sector desde 2013. Só a generosidade dos autores e, em particular, a amizade do Dr. José Pereira de Deus, pode justificar a minha presença aqui.

Dito isto, espero conseguir respeitar os 10 minutos de tempo de antena que me foram concedidos.

A Obra

 Devo dizer que li a obra de um fôlego, de supetão, se preferirem, naturalmente com muito interesse. É, em primeira análise, um contributo importante dos autores para a partilha de conhecimento da realidade do jogo em casinos em Portugal. E um ato de coragem.

A obra aborda e descreve a Historia e as origens do Jogo, as Concessões, os Casinos – de Chaves às Ilhas –, os Jogos nos Casinos (Bancados, não Bancados e de Maquinas Automáticas), mas também o Poker e o Bingo. Inclui ainda uma justa homenagem à profissão de Croupier, uma referência à entidade reguladora do jogo em Portugal (SRIJ) e à mais recente realidade do Jogo Online, assim como também uma interessante descrição da evolução histórica dos Jogos Sociais, explorados pela Santa Casa da Misericórdia. E termina com uma merecida referência à componente lúdica dos Espetáculos e da Animação, fator diferenciador dos Casinos em Portugal.

Permitam-me que respigue o título da obra, “Fortuna ou Azar- Dupla improvável”, para começar por dizer que “Dupla Improvável” é um título particularmente feliz. E este é o mote para falar de outras duplas, igualmente improváveis, para além de Fortuna ou Azar, mas sempre com o Jogo como denominador comum.

Outra Dupla Improvável – a dupla de autores

A segunda dupla improvável que me ocorre – para além de Fortuna ou Azar – é, desde logo, a dupla de autores da obra.

Um diretor artístico do Casino da Figueira da Foz, António Jorge Lé, e um inspetor de jogo do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) do Turismo de Portugal, José Pereira de Deus, decidem unir vontades e publicar uma obra onde partilham conhecimentos sobre o jogo em Casinos em Portugal, depois de já terem publicado em 2001 o livro “O Jogo em Portugal”, do qual também são coautores.

Uma dupla improvável de autores. Mérito de ambos, que vem contrariar a quase ausência de produção e publicação de textos sobre Jogo em Portugal.

Gostaria, a este propósito, partilhar convosco algumas reflexões.

A primeira reflexão que gostaria de suscitar prende-se com a escassa produção bibliográfica em torno do tema do ” jogo ” em Portugal. Com efeito, são poucos os livros dados à estampa em Portugal e contam-se pelos dedos das mãos o número de teses de mestrado ou de doutoramento publicadas. Há, portanto, um défice de publicações e a quase ausência de trabalho de investigação nas universidades do nosso país.

Eu próprio sou um bom exemplo (ou melhor, um mau exemplo), na medida em que iniciei e interrompi, há mais de uma década, uma tese de doutoramento que versava a temática da importância do jogo nos casinos, enquanto fonte de financiamento da atividade do turismo em Portugal.

 Acresce que, durante os anos em que exerci funções no Casino Lisboa, fui testemunha de muitas histórias sobre o quotidiano do jogo, algumas divertidas, outras absolutamente deliciosas, que mereciam ser passadas ao papel e registadas para a posterioridade, para leitura de todos quantos se interessam por estes assuntos.

Foram-me igualmente relatadas inúmeras histórias e episódios, mais ou menos caricatos, ocorridos nas salas de jogo de vários Casinos em Portugal, por parte de diretores de jogo, chefes de sala, croupiers e outros profissionais de jogo, que correm o risco de se perderem na memória de quem as ouviu. Algumas das fontes destas histórias encontram-se nesta sala e estou certo que comigo concordarão.

Não é, aliás, por acaso que continua a ser bastante reconfortante e divertido ler parágrafos a fio, escritos pela pena de Ramalho Ortigão quer nas “Farpas”, quer nas “Praias de Portugal”, onde descreve, de forma magistral e com muita ironia, cenas de jogo ocorridas nos casinos.

Quanto mais não fosse, só por esta razão, já os autores estariam de parabéns, pela circunstância de terem tido a coragem de editarem a obra que hoje aqui é apresentada.

Mais uma Dupla improvável – Jogo e Turismo

Outra dupla improvável é a que une o jogo em casinos em Portugal à atividade do Turismo. E não pela circunstância de o setor dos Casinos integrar a oferta turística nacional, a par da hotelaria, das agências de viagens, da animação turística, do golf, das marinas, das termas, entre muitas outras atividades que, em conjunto, constituem o Turismo, aquilo que o professor Hernâni Lopes um dia designou por “constelação” de setores. Essa seria uma dupla mais que provável.

A dupla improvável tem a ver com o financiamento. Com efeito, a atividade pública do turismo em Portugal é maioritariamente financiada por impostos provenientes das receitas dos jogos geradas nos casinos. Por outras palavras, o turismo é o beneficiário privilegiado das chamadas contrapartidas iniciais e anuais provenientes da exploração de jogos de fortuna ou azar, incluindo o IEJ – Imposto Especial sobre o Jogo.

Trata-se de modelo singular, caso único em todo o mundo, com os impostos sobre o jogo a reverterem diretamente para os cofres do Turismo de Portugal, ao invés de financiar diretamente o Orçamento do Estado ou outras atividades beneméritas de cariz social. Assim acontece desde 1927, ano em que foi publicada a primeira Lei do Jogo em Portugal.

Durante 60 anos, entre 1927 e 1987 através de contrapartidas em “espécie”, sendo as concessionárias obrigadas a construir hotéis, termas, piscinas, estradas, contribuindo diretamente para o aumento da oferta turística nacional; de 1987 para cá através de contrapartidas em “numerário”.

 Não é demais referir que, ano após ano, largas dezenas de milhões de euros, geradas nas salas de jogo dos casinos, são alocadas ao:

– Financiamento da promoção turística;

– Apoio ao investimento turístico e hoteleiro;

– Financiamento da formação turística, designadamente no funcionamento das escolas de turismo e hotelaria espalhadas pelo país;

– Mas também na melhoria e requalificação da oferta turística em Portugal.

O jogo em casinos tem constituído, assim, um importantíssimo instrumento de financiamento e desenvolvimento do turismo em Portugal. Estima-se que cerca de 80% das fontes de financiamento do Turismo de Portugal têm origem nas chamadas contrapartidas iniciais e anuais (IEJ, etc.)

E se tivermos presente que o turismo é o maior setor exportador da economia portuguesa, com mais de 15% das exportações nacionais de bens e serviços, percebemos bem a real importância desta dupla improvável – Jogo e Turismo.

Ainda outra Dupla Improvável – jogo e Ditadura

Finamente, a quarta dupla improvável, esta mesmo altamente improvável, é a que une jogo e Ditadura. Como é do conhecimento de todos nós, a atividade do jogo foi legalizada em Portugal em 1927, cerca de um ano após a instauração da ditadura em Portugal, em 28 maio de 1926.

Até então, o jogo era uma atividade não regulamentada, que se desenvolvia à margem da Lei. Foi preciso a chegada ao poder de um regime político ditatorial para que o jogo fosse legalizado e devidamente regulamentado.

E porquê? Talvez porque, como é referido no preambulo do Decreto n.º 14.643, de 3 Dezembro 1927, “ (…) a Ditadura, não carecendo de uma clientela eleitoral, não tinha que sucumbir aos interesses molestados com a regulamentação do Jogo”.

O normal seria que os regimes não democráticos proibissem, restringissem e reprimissem a atividade do jogo. Nunca o contrário. E daí mais esta dupla altamente improvável.

Escusado será dizer que não estou a fazer a apologia da Ditadura – antes pelo contrário –, mas não posso deixar de registar o facto de ter sido a instauração deste sistema politico que possibilitou a legalização e regulamentação do jogo em Portugal.

A sessão já vai longa, pelo que termino aqui, agradecendo a vossa paciência e endereçando mais uma vez os parabéns à dupla improvável de autores, José Pereira de Deus e António Jorge Lé.

Jogo feito. Nada mais!

Muito Obrigado a todos.

Casino da Figueira da Foz, 6 de Outubro 2016.

Carlos Costa

 

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