Pedro Cerdeira, num momento da sua intervenção no lançamento do livro “Fortuna ou Azar”

Um dia, ainda criança, entrei numa sala de jogo: Apesar do silêncio e da ausência de movimento, algo me despertou a atenção para aquele estranho lugar, mal iluminado, cheio de mesas forradas com panos verdes. Apesar da sala fechada e de apenas ter visto algumas bancas de jogo, senti que era ali o meu mundo, era ali que queria trabalhar. Nesse dia começou a minha contagem decrescente até ter idade para poder fazer o curso de croupier.

Anos mais tarde, entro pela primeira vez numa sala de jogo, trajado a rigor, para o concretizar de um sonho, ser croupier. Dirijo-me para uma roleta, tomo o meu lugar, nervoso e excitado… e estou finalmente onde sempre quis estar! Façam as vossas apostas, jogo feito, nada mais…

 

A bola começa a rolar, ouço um frenesim ao meu redor, de repente sinto que me tornei o centro imóvel da roleta. O mundo gira em meu redor milagrosamente sem me tocar. Eu, o croupier, atingi o meu objetivo. A minha missão foi cumprida, sou o mestre do jogo. Tinha adquirido o poder de fazer ganhar e perder. Começava assim a minha vida como croupier, a profissão que me escolheu anos antes, naquele mesmo lugar.

Nas primeiras semanas de trabalho, talvez meses, foi difícil perceber aquele mundo, tudo o que girava em meu redor, a minha atenção era apenas dirigida para o que eu estava a fazer, não queria errar.

Com o tempo vieram a experiência e a confiança, o que me permitiu começar a entender o que se passava a minha volta: conhecer os jogadores, saber como jogam, as cores das fichas com que gostam de jogar, a forma como lidam com as adversidades do jogo, bem como, talvez o mais importante, a maneira como gostam de ser tratados nas diferentes situações de jogo.

Tudo isto me levou a perceber que quanto mais dominasse a minha profissão, mais fácil seria lidar com tudo o que ela envolve, principalmente com os jogadores. Com o passar dos anos conhecemos a maioria deles, as suas histórias, a forma como encaram o jogo, como lidam com as vitórias e derrotas.

Quanto à profissão em si, passados alguns anos, ainda hoje me sinto nervoso e excitado, não como no início, não pelo medo de errar, mas sim pelo prazer de trabalhar como croupier, pelas situações, quer engraçadas quer dramáticas que surgem a cada dia, por ver alguém festejar efusivamente após a bola cair no número escolhido e sentir que faço parte desse momento. Sendo certo que tudo é arbitrário, dependendo apenas da sorte ou azar de quem joga, aquele momento em que a bola ou os dados são lançados, ou que as cartas são distribuídas, torna o croupier o centro de todas as atenções, é ele que decide quem ganha ou perde, e são esses segundos até que a bola escolha um número, ou até que os dados estacionem na arena, que o mundo pára à minha volta e sinto que, não sabendo a razão, escolhi a profissão de que gosto.

Pedro Cerdeira

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